Frase do dia:

domingo, 30 de março de 2008

O Poeta

(Foto de White Angel)

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro, e há na vida do estrangeiro uma solidão pesada e um isolamento doloroso.

Sou assim levado a pensar sempre numa pátria encantada que não conheço, e a sonhar com os sortilégios de uma terra longínqua que nunca visitei.

Sou um estrangeiro para minha alma.
Quando minha língua fala, meu ouvido estranha-lhe a voz.
Quando meu Eu interior ri ou chora, ou se entusiasma, ou treme, meu outro Eu estranha o que ouve e vê, e minha alma interroga minha alma.
Mas permaneço desconhecido e oculto, velado pelo nevoeiro, envolto no silêncio.

Sou um estrangeiro para o meu corpo.

Todas as vezes que me olho num espelho, vejo no meu rosto algo que minha alma não sente, e percebo nos meus olhos algo que minhas profundezas não reconhecem.

Quando caminho nas ruas da cidade, os meninos me seguem gritando: “Eis o cego, demos-lhe um cajado que o ajude.”
Fujo deles.
Mas encontro outro grupo de moças que me seguram pelas abas da roupa, dizendo: “É surdo como a pedra. Enchamos seus ouvidos com canções de amor e desejo.”
Deixo-as correndo.
Depois, encontro um grupo de homens que me cercam, dizendo: “É mudo como um túmulo, vamos endireitar-lhe a língua.”
Fujo deles com medo.
E encontro um grupo de anciãos que apontam para mim com dedos trémulos, dizendo: “É um louco que perdeu a razão ao frequentar as fadas e os feiticeiros.”

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e já percorri o mundo do Oriente ao Ocidente sem encontrar minha terra natal, nem quem me conheça ou se lembre de mim.

Acordo pela manhã, e acho-me prisioneiro num antro escuro, frequentado por cobras e insectos.
Se sair à luz, a sombra de meu corpo me segue, e as sombras de minha alma me precedem, levando-me aonde não sei, oferecendo-me coisas de que não preciso, procurando algo que não entendo.
E quando chega a noite, volto para a casa e deito-me numa cama feita de plumas de avestruz e de espinhos dos campos.

Ideias estranhas atormentam minha mente, e inclinações diversas, perturbadoras, alegres, dolorosas, agradáveis. À meia-noite, assaltam-me fantasmas de tempos idos.
E almas de nações esquecidas me fitam.
Interrogo-as, recebendo por toda resposta um sorriso.
Quando procuro segura-las, fogem de mim e desvanecem-se como fumaça.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um estrangeiro e não há no mundo quem conheça uma única palavra do idioma de minha alma...

Caminho na selva inabitada e vejo os rios correrem e subirem do fundo dos vales ao cume das montanhas.
E vejo as árvores desnudas se cobrirem de folhas num só minuto.
Depois, suas ramas caem no chão e se transformam em cobras pintalgadas.

E as aves do céu voam, pousam, cantam, gorgeiam e depois param, abrem as asas e viram mulheres nuas, de cabelos soltos e pescoços esticados.
E olham para mim com paixão e sorriem com sensualidade.
E estendem suas mãos brancas e perfumadas.
Mas, de repente, estremecem e somem como nuvens, deixando o eco de risos irónicos.

Sou um estrangeiro neste mundo.

Sou um poeta que põe em prosa o que a vida põe em versos, e em versos o que a vida põe em prosa.
Por isto, permanecerei um estrangeiro até que a morte me rapte e me leve para minha pátria.

Kahlil Gibran

2 comentários:

Anabela e Madalena disse...

Passei por aqui e cá deixo o meu carinho. Beijoquinhas, Amiga,
Madalena

Anónimo disse...

Olá..

vou-me tornando mudo sabias?

beijihho.

Paulo.

«O destino une e separa pessoas, mas mesmo ele sendo tão forte, é incapaz de fazer com que esqueçamos pessoas que por algum momento nos fizeram felizes...»
Recados Para Orkut

Mensagem da White Angel:


Tentem viver o dia de hoje bem devagarinho, tentem aproveitar todos os segundinhos e só depois virem a página... Este é o meu mundo perfeito, (apercebi-me disso agora(!), as palavras e a música embalam-me e esqueço o mundo lá fora)...